21 de janeiro de 2009

eventualmente, diariamente

não me lembro de ter visto uma pessoa morta nessas condições. um corpo todo mordido, masserado. dava pena - como não poderia ter pena? tive de questionar a morte, fazia parte da página policial do jornal. coisa mais clichè, estupro seguido de morte, o corpo largado no meio do mato, atacado por cachorros.
-achei que isso só existisse na televisão.
os policiais me disseram que era comum: nessa região haviam muitos cachorros abandonados (ele disse que em estatística, era uma das primeiras do estado).
-corpos largados são comuns?
os policiais continuaram a dizer que sim, muito mais gente era assassinada do que imaginávamos. e eu não sabia se conseguiria pegar no sono. num efeito lógico comecei a reclamar do dia que escolhi fazer jornalismo e, principalmente, do dia que resolvi aceitar essa vaga nesse jornal. não era só a ânsia por causa do cheiro horrível ou a imagem forte. eram as circunstâncias. uma garota, mais nova que eu, assim largada no meio da floresta verdinha que o municípo tanto se orgulhava.
eu agora estava atulhada de sentimentos que não gostaria. que não cabia na minha descrição. eu estava pensando: onde ela está agora.
comecei a recriar na minha cabeça todas as idéias de morte e como as religiões encaram isso. reencarnação, céu, inferno. onde ela está agora?
comecei a pensar no seu legado e na dor das pessoas a sua volta. nesse egoísmo triste e sincero de nosas dores quando alguém morre. todos vamos morrer. por que sofrer?
comecei a pensar no amor que as pessoas sentiam e na legitimidade desse amor. por que você ama? ama por que alguém te faz bem? eu não gostava de acreditar nisso, achava que esse amor não era sincero. eu desisti de amar depois que alguém me disse que eu era o ar que ela respirava. mas doía pensar no amor dos familiares. era dor e era constante. eu sentia ao pensar na dor do namorado ao imaginar o passado recente aos acontecimentos.
liguei em casa, jorge atendeu. chorei ao telefone. voltei correndo aos seus braços e me deixei levar pelo sentimento. perdi a racionalidade completa, me dividi em várias para ser capaz de pelo menos tentar entender o que sentia.
adormeci.

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